segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Palmeiras 3 x 1 Corinthians – O jogo vermelho




Geraldo de Majella

O deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP), alagoano de Viçosa, é torcedor apaixonado da Sociedade Esportiva Palmeiras. Nascido na zona rural de Viçosa, não tem ascendência italiana, mas desde criança torce pelo Palmeiras.

Visitando a sala de troféus do Palmeiras, observou que numa daquelas relíquias havia uma inscrição que lhe chamou a atenção: “Homenagem do Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT)”.

O troféu é referente ao jogo Palmeiras 3 x 1 Corinthians, acontecido em 1945. Até aquele instante o jogo era desconhecido do deputado palmeirense e comunista. A mídia deixou de tratar desse assunto mesmo como fato histórico.
E os pesquisadores que estudam os movimentos sociais não se ativeram ao acontecimento. Mas o feeling − o deputado não gosta que se use expressão da língua inglesa desnecessariamente −, a partir daquele momento, dirigiu as suas atenções de repórter e ele então mergulhou na pesquisa histórica, entrevistando antigos militantes, familiares de dirigentes dos clubes e da Federação Paulista de Futebol, além de fazer consultas em várias bibliotecas. O resultado pode ser apreciado em Palmeiras x Corinthians – O jogo vermelho, editora Unesp, São Paulo, 2009.

O ano de 1945 foi um ano importante para a humanidade. No final da II Grande Guerra Mundial, o mundo passa a tomar conhecimento do holocausto e da destruição de numerosas cidades na Europa. O mundo também fica atônito com as duas explosões nucleares detonadas pelos Estados Unidos, contra um Japão quase rendido.

O Brasil comemora o fim da ditadura do Estado Novo; Getúlio Vargas, o ditador, é deposto. O país reconquista a liberdade, o PCB é legalizado pela primeira vez. Esses acontecimentos em nível mundial e nacional são mobilizadores das massas trabalhadoras.

O que funcionou como catalisador para as diretorias de Palmeiras e Corinthians foi o MUT, como braço dos comunistas no movimento sindical e eleitoral. O objetivo do jogo era arrecadar fundos para os candidatos do PCB e a apropriação da imagem positiva de duas grandes torcidas do futebol brasileiro.
Os detalhes normalmente ficam perdidos ou são pouco valorizados pelos pesquisadores; nesse caso, Aldo Rebelo os levou à cena principal como se estivesse simbolicamente num palco de teatro, que poderia muito bem ser o gramado do estádio Pacaembu. Mas não foi: os jogadores, os dirigentes e os torcedores são os personagens no ensaio histórico do parlamentar-torcedor.

O líder dos comunistas brasileiros, Luiz Carlos Prestes, havia passado dez anos preso. Ao sair do cárcere, candidatou-se a senador da República e foi eleito. Outros importantes intelectuais se inscreveram na legenda do PCB, candidatando-se a deputado federal, estadual ou vereador.

O corinthiano Antonio Roque Citadini, na apresentação do livro, declarou que “o deputado Aldo Rebelo contribui não só para a história dos dois clubes de futebol, mas também para a própria história social do país, registrando um fato pouco lembrado pela mídia: o engajamento político-social de duas agremiações esportivas de tamanha popularidade, como Corinthians e Palmeiras”.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Baixo Jatiuca

Botequim Paulista

Botequim Amélia Rosa

Geraldo de Majella

A Avenida Amélia Rosa tem se transformado na área mais procurada de Maceió, é o point da boemia. Em toda a extensão da avenida – cerca de 1,2 km − o que predomina são bares e restaurantes. A vida boêmia que havia na avenida e seu entorno está cada vez mais agitada.

Alguns motivos são apontados como fatores de tais mudanças; a expansão imobiliária é um deles. A consequência é o crescimento do setor de serviços, pois estão sendo atraídos para a região lojas, lanchonetes, restaurantes, bares, padarias, sorveterias etc.

O número de bares com música ao vivo tem crescido e com isso aumenta a concorrência. Os músicos da noite veem crescer o mercado de trabalho. Os estilos e gêneros são variados: samba, pagode, chorinho no final de tarde − no happy hour –, seguindo pela noite; há também o velho e bom rock and roll e a MPB.

O público que antes frequentava as barracas de praias tem vindo para as noites, não só nos finais de semanas, mas em todos os dias da semana.

Essas transformações vêm ocorrendo não tão devagar como pode parecer. O público tem sido atraído também pelos ambientes mais sofisticados, podemos assim dizer, mas há muitos outros botequins onde a cachaça e os tira-gostos populares são servidos e nem por isso a frequência é menor.

A cachaça é a bebida mais antiga que conhecemos, mas no entanto recai sobre essa tão popular bebida um terrível preconceito social e econômico: nos bares da moda, por exemplo, não se encontra nos cardápios a aguardente. Deve-se isso à associação feita preconceituosamente de que cachaça é bebida dos pobres, portanto barata.

Motivo “suficiente” para excluir a bebida mais popular do Brasil de cardápios e mesas pretensamente sofisticadas. O Botequim Paulista é um dos estabelecimentos do Baixo Jatiúca onde é servida a cachaça com tira-gostos de picles, cebolinhas em conserva, azeitona, charque.

O Bar do Camarão é um dos mais antigos em funcionamento no bairro. Funciona durante as manhãs e tardes, se mantém fiel ao horário e não abre mão das poucas mesas na calçada. A cachaça é o seu carro-chefe, além dos tira-gostos, que são recomendados para os que não têm restrições alimentares: caldinhos de dobradinha, feijoada, peixe, mocotó, feijão caseiro com charque, farinha, pimenta malagueta.

A simpatia do proprietário é uma das chaves do sucesso e da longevidade do bar. Os clientes, muitos deles, se tornaram em velhos amigos que com o passar do tempo também aumentam as cruzes no sangue. E como diz o ditado popular, tornam-se efetivamente amigos de copo e de cruz.

O bode é um animal resistente à seca, vive no semiárido nordestino, tem uma carne saborosa, sendo a base da alimentação do sertanejo. Em Maceió são poucos os bares e restaurantes que o têm em seus cardápios, e para o apreciador de caprinos que desejar saboreá-lo o local mais indicado é o Bode’s Bar. É servido como tira-gosto e como prato para almoço e jantar.

O corte da carne é feito de maneira diferenciada. É comum no sertão de Alagoas comer bode guisado, assado na brasa, no forno a lenha, mas no Bode’s Bar é servido o filé de bode; trata-se de um corte pouco usado em Alagoas, por isso mesmo este bar se tornou um local agradável para os que gostam desse tipo de iguaria.

Maceió é banhada pelo mar e por uma lagoa, a Mundaú. Os manguezais são os berços dos crustáceos. Os mangues são plasticamente belos, fontes de vida e proteínas, mas faz algum tempo esses lugares fantásticos estão sofrendo ataques de predadores que vão decretando o fim dessas saborosas espécies. Os que apreciam caranguejos são obrigados a ir para bares e restaurantes mais distantes, quando não tem de ir até Marechal Deodoro.

O movimento inverso foi feito pelo Flávio, antigo professor de português do Marista, que ao se aposentar abriu um restaurante em Massagueira, distrito de Marechal Deodoro. Hoje, o Caranguejola é um dos bares do Baixo Jatiúca especializado em crustáceos.

A Companhia da Lagosta é um cantinho de muito bom gosto e boa cozinha, onde os frutos do mar são as melhores opções na noite em Jatiúca. A origem da Cia. da Lagosta é na Vila de Taipa da belíssima Japaratinga, no litoral norte de Alagoas.

Esses três cantinhos − o Bode’s, o Caranguejola e a Companhia da Lagosta − fogem do lugar-comum, pois os pratos são mais ou menos parecidos entre os tantos bares que existem na Avenida Amélia Rosa e em seu entorno.

O Botequim Amélia Rosa é o local na avenida onde a moçada vai dançar pagode entre as mesas. O espaço é pequeno, e o ritmo do pagode fica mais aconchegante para um bate-coxa no final de tarde ou noite adentro. Os petiscos são os comuns a todos os bares da cidade. Talvez o Botequim Amélia Rosa leve vantagem em relação aos outros por ficar protegido pelas orações dos fiéis da igreja do Espírito Santo, que fica ao lado.

O Escritório e o Red Blue são vizinhos e não diferem basicamente um do outro. O Engenho Massayó vem tentando se diferenciar dos demais. Abriu os microfones para jovens cantores que têm se apresentado num pequeno palco disponível; é um novo espaço que tem atraído alguns grupos de jovens cantores da noite que tocam e cantam rock and roll e música popular brasileira.
Maria das Graças Novaes transformou a sua casa no Bar da Gal. É um espaço bastante simples, um botequim no melhor estilo, com mesas e cadeiras na calçada.

Quando lota, os clientes ocupam a rua e o samba rola solto. Às sextas e sábados, sambistas aparecem e dão canja, para a alegria dos frequentadores. A Gal, com a sua simpatia, é a mãezona, e como diz Paulinho da Viola: “A toda hora rola uma estória/ A que é preciso estar atento/ A todo instante rola um movimento/ Que muda o rumo dos ventos [...]” .

A Alagoana é um projeto arrojado, com cara e alma de choperia paulista. Não existe diferença entre A Alagoana e as tantas que há nos bairros de Vila Madalena, Pinheiros, em São Paulo. A diferença é a proximidade da praia, pois está localizada no Baixo Jatiúca. A decoração faz-se com fotografias antigas, de artistas, clubes de futebol, motocicletas antigas, uma televisão ligada permanentemente exibindo filmes de Charles Chaplin, documentários sobre surf, faroestes e o cinema nacional representado pelo humor do grande ator Amácio Mazzaropi.

O Baixo Jatiuca é um dos territórios da boêmia e da gastronomia em Maceió.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O mundo mágico de Adoniran Barbosa









Aquiles Rique Reis (*)

Adoniran nasceu João Rubinato em 6 de agosto de 1910. São Paulo, Rio de Janeiro e o Brasil têm no coração este paulistano de Valinhos. Seu centenário traz desejos de ouvi-lo, de reverenciá-lo.
Sua lembrança nos deixou marcas de espanto e admiração. Seus versos, que repetem o linguajar popular paulistano, causaram estranhamento. Suas letras, entretanto, valeram para melhor expressar o que ele sabia de sua gente, tudo o que ele tinha certeza de que atingiria, como num “Tiro ao Álvaro” poético: a mosca da alma do povo.

Meu coração juvenil custou a entender. Mas a criatividade era tanta que meu coração musical se convenceu. Meu esforçado coração ampliou horizontes, rompeu barreiras. Inquieto, invadiu fronteiras, desfez preconceitos e ajuntou opostos. E meu coração inexperiente ligou Bexiga e Vila Isabel, bairros geograficamente distantes.

Foi aí que meu coração amoroso sorriu e pela primeira vez sentiu que Adoniran Barbosa e Noel Rosa eram como um só. Ali ficara claro para mim que uma nova linguagem, que vocalizava o falar da gente das ruas de São Paulo e do Rio de Janeiro, tinha dois responsáveis: Adoniran e Noel, cronistas e intérpretes de sonhos e anseios populares através do humor, da delicadeza e da ternura.

Adoniran era como um Quixote de Cervantes errando por São Paulo. A cada rua percorrida, era como se entrevisse moinhos a serem destruídos por sua lança (cuja ponta tratava de acarear a imaginação com a realidade) com golpes certeiros desfechados por versos corrosivos ou engraçados, plenos de contemporaneidade, dignos de um fecundo trovador urbano.

Feito Sancho Pança, os Demônios da Garoa se fizeram imprescindíveis. Tornaram-se de Adoniran o eco, multiplicando-o com suas cinco gargantas. Juntos, os seis são sinônimos de um samba que nasceu em São Paulo e ganhou o Rio de Janeiro – e logo o Brasil lhes fazia coro.

Juntos, criaram a identidade que sintetiza a personalidade de um estado que abriga pensamentos e doutrinas díspares, raças e gente imigrante diversas, culturas e crenças distantes, todos integrados pela pluralidade que os acolhe e propicia direitos, deveres e oportunidades iguais.

Meu coração aflito me trouxe para São Paulo, Adoniran. Aqui, meu coração vagabundo sentou praça num “lindo lote, dez de frente e dez de fundos”. Meu coração, quando angustiado, se apoia em sua música para levantar, véio. Assim que nem você, que pergunta “por onde andará Joca e Matogrosso/ Aqueles dois amigos/ Que não quis me acompanhá?”, tenho vontade de indagar por onde anda você, espelho no qual tento me ver refletido quando de minhas andanças na noite paulistana.

Adoniran, aqui e agora o meu coração confidencia: para merecer o que a nossa São Paulo me deu (depois de aqui ter desembarcado há uns bons dezesseis anos), eu tento vê-la com os seus olhos, com a sua ironia, com seu humor e afeto. Nunca conseguirei tal proeza, mas, com suas músicas, continuarei tentando.

Obrigado, Adoniran!
(*) músico e vocalista do MPB4

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

A bola agora está com o Santos

Robinho

Neymar

Paulo Henrique Ganso

Geraldo de Majella


[...]Agora quem dá bola...
Quem dá bola é o Santos
[...] O Santos é o novo...o novo campeão
Glorioso alvinegro praiano
Campeão absoluto desse ano... SANTOS... SANTOS!!! [...]

Os meninos da Vila Belmiro são os melhores do Brasil. Estão inaugurando uma nova fase no futebol brasileiro, fazendo gols, jogando com alegria, rindo, dançando e encarando zagueiros fortes e às vezes brutos.

Os moleques estão mostrando ao público que futebol deve ser jogado com elegância. Essa característica do jogador brasileiro estava perdida; os meninos da Vila Belmiro resgataram e vêm fazendo a festa nos campos.

Os treinadores modernos têm focado nos esquemas táticos, no planejamento estratégico, usam programas de computador, inventam novos tipos de futebol: os sem-graça.
Os meninos, à frente Neymar, Paulo Henrique Ganso, Robinho, Arouca, Wesley, Edu Dracena e Pará, quebram os esquemas táticos burocráticos. É a vitória dos passes e dos dribles, das comemorações dançantes e dos gols moleques.

Não gosto de fazer comparações entre essa geração e a do Rei Pelé. Não há comparações possíveis. São duas épocas distintas, e os conceitos de futebol eram outros, por incrível que possa parecer. A geração de Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe, para falar apenas na linha de ataque, para mim é incomparável.

A atual geração será desfeita logo após a Libertadores das Américas. Alguns dos jogadores migrarão para clubes europeus. Ficaremos com saudade do espetáculo. Os jovens ficarão mais ricos e mais famosos jogando em estádios de países europeus ou em qualquer outra parte do mundo.

Santos, campeão da Copa do Brasil 2010.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Montevidéu, a cidade dos livros

Júlia Ortiz

Majella na livraria Lo Más Puro Verso
Sidney Wanderley na Peatonal Sarandí

Saindo do Museu Torres Garcia
Uma das estantes da Livraria La Lupa

Lendo na Livraria La Lupa
Sidney Wanderley e Majella na Livraria La Lupa





Geraldo de Majella

A escolha do Uruguai para passar alguns dias nas férias, numa curtíssima passagem, não foi aleatória. O destino programado inicialmente era o Chile, mas o terremoto do início do ano fez com que mudássemos de roteiro. A viagem foi reprogramada; o poeta Sidney Wanderley e eu definimos que iríamos para Buenos Aires, a linda capital da Argentina, e em seguida, para duas outras bonitas cidades do Uruguai: Colônia do Sacramento e Montevidéu.

A viagem foi planejada de forma tal que caberia um título: roteiro gastronômico-cultural e esportivo. Em Montevidéu o que me chamou particularmente a atenção foram as livrarias e os cafés. Deparamo-nos com uma forte tradição na capital uruguaia: os livros continuam sendo adquiridos em grande quantidade nas centenas de livrarias. Traçamos um roteiro sem qualquer sinal de rigidez. Partimos inicialmente da Avenida 18 de Julho e fizemos um périplo pelas livrarias que encontramos na majestosa avenida e adjacências.

As estatísticas do vizinho ao sul poderiam servir de espelho para o Brasil. A população do Uruguai é estimada em 3.399.237 habitantes, Montevidéu está em torno de 1,8 milhões. Acontece que 97,9% dos uruguaios são alfabetizados, a mortalidade infantil é de 13,1/ por mil nascidos e a expectativa de vida chega a 76,4 anos. Esses, entre outros indicadores, colocam o país na 47ª colocação entre as nações do mundo.

Mas quando se trata da tradição acadêmica o recuo alcança o século XIX, quando foram criadas as duas primeiras Universidades, a da República em 1849 e a do Trabalho do Uruguai em 1878. No campo das artes estão entre os principais teatros duas joias: a Casa de Comédias de 1795 e o teatro Solís, aberto ao público em 1856.

Caminhamos por algumas dezenas de ruas e avenidas na Ciudad Vieja, a principal delas a Avenida 18 de Julho. Andávamos olhando a maior parte do nosso tempo para o alto, observando as edificações. Sem medo de errar, afirmo: são centenas de imponentes edifícios construídos entre o século XIX e XX. As praças estão bem cuidadas e em todas há monumentos que homenageiam os heróis nacionais.

A Plaza Independência e o conjunto arquitetônico que a circunda merece a atenção, e por esse motivo a ela tornamos algumas vezes. O conjunto formado pelo Palácio Salvo, o Palácio Rinaldi e a Puerta de la Ciudadela, além do monumento central que está no centro da Plaza Independência com mais de 10 metros de altura, estonteiam qualquer visitante. A sede do governo uruguaio é uma edificação modernosa e espelhada, destoando do restante das edificações centenárias.

O presidente José Mojica – Pepe despacha na área central da capital, e o povo uruguaio não necessita andar muito para protestar, pois a Plaza Independência é ampla e comporta muita gente.
A busca incessante por livrarias e cafés foi o foco central de nossa estadia em Montevidéu. Estivemos em dezenas, nas grandes, de que já tínhamos alguma referência, em outras que fomos encontrando, e em pequenas, das quais já dispúnhamos de informações mais ou menos precisas.

Sidney se esbaldou em quase todas, comprou dezenas de livros, sobretudo poesia e livros de artes. O meu objetivo principal foi comprar cds e dvds de música latino- americana, tango e, pasmem!, de música brasileira. Encontrei relíquias de Pixinguinha, Clara Nunes, Jackson do Pandeiro, Garoto e Luiz Bonfá, estes últimos, dois gênios do violão; do alagoano Jacinto Silva, de Elis Regina, João Gilberto, Vinicius e Toquinho, dos argentinos Astor Piazzolla, Mercedes Sosa e Carlos Gardel, entre outros. Reconheço a extravagância e por pouco não me inviabilizo financeiramente.

A Librería La Lupa fica na Calle Bacacay, 1.318, vizinha ao Café Bacacay, um dos mais tradicionais da capital uruguaia. Entre tantas que visitamos esta foi a menor; uma livraria especializada e completamente diferenciada. O tamanho do empreendimento chama a atenção: são quatro metros de frente por cerca de onze ou doze metros de fundos, com um mezanino onde são expostos quadros de pintores e também se apresentam músicos, artistas plásticos e poetas performáticos.

Júlia Ortiz, uma bela jovem, torcedora do Nacional (evitem elogiar o Penharol em sua presença), em pouco tempo de conversa confessou: “Aqui não temos best-sellers nas estantes principais; eles estão em pequena quantidade, numa área separada, quase escondidos.” Os best-sellers na La Lupa ficam confinados numa espécie de calabouço. Essa fala foge a qualquer lógica empresarial e foi a abertura de uma longa conversa. Entramos na La Lupa porque estava chovendo e fazendo frio. Mas para nossa surpresa encontramos ótimos livros e bom papo.

Comprei alguns poucos livros, e novamente o poeta comprou um lote de obras de autores sul-americanos: Pablo Neruda, Gabriela Mistral, Mário Benedetti, Juan Carlos Onetti, Eduardo Galeano, Idea Vilariño.

A televisão ligada não me dizia muita coisa, um dvd tocava rock and roll e, na sequência, uma voz conhecida cantando em português: era Djavan. Mais um motivo para continuarmos a conversa com Júlia, que se declarou fã do cantor alagoano − para ela um brasileiro muito querido pelos uruguaios; para nós, orgulhosos, sorrisos largos, pois quem estava cantando era um conterrâneo, e dos mais ilustres.

Os clientes que chegaram enquanto estivemos na livraria vinham pegar as encomendas; Neruda, Benedetti, Saramago, esses eu observei bem, confesso que com bastante curiosidade. Os livros que estavam nas estantes para ser comercializados são rigorosamente selecionados; são livros de arte, literatura (lá se encontra, para nossa felicidade, praticamente toda a obra de Clarice Lispector e alguns dos clássicos de Gilberto Freyre), ciências sociais, gastronomia, música e raros best-sellers, estes invariavelmente escondidos.

Quando as lojas comerciais fecham suas portas, às 14 horas do sábado, a livraria La Lupa inicia a arrumação para as performances musicais. Todos os sábados, a partir das 18 horas, a música reina naquele pequeno espaço; os jovens lotam as dependências, chegando muitas vezes a ocorrer aglomeração na calçada.

Montevidéu tem mais de 100 livrarias, e a La Lupa vem sobrevivendo nesse mercado concorrido onde as gigantes do ramo dispõem de melhores condições tanto para comprar como para vender ou distribuir, usando e abusando da internet. Jorge Larrosa, o proprietário, e Júlia Ortiz, a funcionária, vão rompendo barreiras e conquistando novos clientes, incluindo os alagoanos.