quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Sociedade dos pecados mortos


(*) Osvaldo Epifanio [Pife]


“As pessoas buscam a sua identidade, não naquilo que são, mas no que consomem e exibem, como se dissessem: eu sou aquilo que eu compro”. A frase de Zygmunt Bauman denuncia uma sociedade de consumo “onde não se valoriza o permanente, mas o temporário”. O sociólogo polonês, radicado na Inglaterra, autor de obras definitivas como “Modernidade e Holocausto” e “Vida a crédito” chama isso de “Modernidade líquida (outro livro, também), na medida em que nada é sólido ou conserva a forma por muito tempo”.

Pergunto-me: seríamos nós, agora, uma espécime ameaçada? O ser humano perdeu a capacidade de eternizar seus impulsos apaixonados?

Mudamos, sim. Somos outro exemplar. Não nos importamos mais com a decência dos sentimentos, nem muito menos nos preocupamos com a solidez das decisões. Tudo se molda conforme o recipiente que nos oferecem, pois os desejos não são mais contidos e perdemos completamente o poder sobre eles, como se escapassem pelos dedos e dentes, sem que tenhamos a menor condição de detê-los. Fluem por entre as brechas do querer e evadem-se incontrolavelmente.

Não existem mais identidades permanentes, como aquelas a que estávamos acostumados a ver e a ouvir, de compromissos inalteráveis e que exigiam uma resposta palpável, exatamente para aparafusar a palavra dada. Agora, o que se percebe é um festival de idas e vindas das deliberações. Tudo é muito curto. As cobiças intoxicaram os acordos, como se os dias fossem para sempre apenas nos limites de suas vinte e quatro horas.

Não há, também, passado nem papéis definidos. A vida ficou engraxada, pronta para ser alterada em segundos, como se a história não tivesse importância nenhuma. A memória transformou-se num instante de recreação – como um intervalo do ócio -, não mais uma agenda em que se crava o enredo da vida. Para que isso, se existe o que o substitui: o imediatismo?

Somos guiados a acreditar no sucesso das contabilidades. Dinheiro, projeção, bens e marcas vestem o corpo humano como se fossem os únicas decências. Quem se aventura a querer o diferente? Qual teimoso se mete a dizer que há outra vida senão essa das quantidades? Existe alguém por aí que pronuncie a palavra “desambicioso” em plena liberdade, sem que leve para casa uma desfeita? Sobrevivem os sossegados nesse vendaval de ansiedade? Quem permanece imune às investidas da instantaneidade?

Para curar esse desassossego, mergulha-se no consumo, não necessariamente dos bens, mas dos oportunismos. Compra-se tudo, inclusive a vergonha. Ninguém terá mais na memória as infâmias recentes daquele desregrado que furtou nosso mísero pão dormido. Para quê? Já também somos outros, não em coletividade, mas em voltas vertiginosas em torno do nosso próprio eixo.

Por isso mesmo, a concepção de um “Deus pessoal” é alimentada pela irrefreável aptidão de se instituir a própria existência sem a necessidade do outro, sem a consciência de que há valores comuns que precisam ser lançados ao mundo.

A individualidade, então, reina como se não houvesse sociedade, como se o vizinho fosse apenas um coadjuvante numa cena em que apenas um ator domina o palco. O resto são as outras pessoas que simplesmente existem para espantar a solidão dos planos particulares. Nada mais. Somos simplesmente incapazes de contribuir com aquilo que Martin Buber diz: “O ser humano se torna eu pela relação com o você. À medida que me torno eu, digo você. Todo real é encontro.”

O outro se tornou uma dúvida permanente. Como confiar naquele que também tem seus planos individuais, se eu sou para ele uma suspeita? Disso nasce o medo, a desconfiança. Disso parte todo o individualismo moderno. Somos apenas “um grupo de animais que vivem em conjunto”, “uma delimitação física”.

“A oferta da socialização, da convivência, da união, da amizade” (Zygmunt Bauman) não deve ser um salão vazio, como se não tivéssemos compromisso com o outro, até para interpelar suas manhas.

Quantos pecados eu tenha! Que sejam, pelo menos, percebidos!
(*) Professor

Publicado originalmente no blog do Ricardo Mota.

sábado, 21 de dezembro de 2013

Pedro Fotógrafo


 
 
(*) Geraldo de Majella

 

Pedro de Farias Costa (1930-1989), nasceu em Atalaia (AL), no dia 28 de fevereiro de 1930; filho de Floriano de Farias Costa e Maria Joana da Costa. Em 1941 passa a residir em Maceió, no sítio Farol, na Avenida Fernandes Lima. Aos quinze anos, em 1945, inicia o aprendizado como fotógrafo no Foto Fiel.

A carreira profissional tem início em 1947, quando completou dezessete anos, como fotógrafo do Foto Ideal. Em 1948, transferiu-se para o Foto Stuckert, onde trabalhou durante dezesseis anos, até 1964.

Em 1948, conhece Gerusa Firmino Costa, com quem se casa, e dessa união nasceram dez filhos. A fotografia como profissão é seguida por um dos seus filhos, Gilberto Farias, um dos mais antigos repórteres fotográficos do jornal Gazeta de Alagoas.

Eurico Farias, um dos irmãos, funda em Anadia (AL) um estúdio de fotografia, onde trabalhou como o fotógrafo da cidade por duas décadas. Assim como Pedro, os filhos de Eurico Farias também se dedicaram ao trabalho fotográfico  enquanto existiu o estúdio em Anadia, sendo encerradas as atividades profissionais com a morte de Eurico Farias.

A partir de 1956, passa a trabalhar no Foto Stuckert e no Jornal de Alagoas, órgão dos Diários Associados, o mais antigo e importante matutino de Alagoas. Em 1957, ingressa na Gazeta de Alagoas, permanecendo aí até 1965.

As redações dos jornais estavam todas localizadas no centro de Maceió. Em 1959, vem morar na Rua Boa Vista, onde, em 1965, abre o seu próprio negócio, o Foto Studio Pedro Farias. Em 1989, no dia 23 de março, morre, aos 59 anos, num leito da Santa Casa de Misericórdia de Maceió. O Foto Studio encerra as suas atividades em 1992.

Pedro Farias trabalhou como fotógrafo oficial do governo de Alagoas, realizando a cobertura das audiências, viagens e inaugurações  de obras em várias administrações. Ainda trabalhou prestando serviços à Companhia Telefônica de Alagoas (CTA) e, posteriormente, à Telasa (Telecomunicações de Alagoas S/A).
 
(*) Historiador

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Mostra de Cinema de Direitos Humanos



 

Rodrigo Cortez


Até o dia 20, a 8ª Mostra de Cinema de Direitos Humanos na América do Sul tem exibições gratuitas no Misa das 14h às 20h

A Secretaria de Estado da Mulher, da Cidadania e dos Direitos Humanos participou segunda-feira (16), no Museu da Imagem e do Som (Misa) na abertura da 8ª Mostra de Cinema e Direitos Humanos na América do Sul. O evento acontece até o dia 20, com 38 filmes, em exibições diárias das 14h às 20h abertas ao público.

O superintendente dos Direitos Humanos, Geraldo de Majella, ressaltou a satisfação da Secretaria e do Governo do Estado em participar de mais uma mostra de Cinema. “O público a cada ano tem aumentado e tem dado a resposta necessária aos produtores, os agentes públicos e para os que militam na área dos Direitos Humanos. Agradecemos a todos os presentes, em nome da secretária Katia Born, e do governador Teotonio Vilela, em pode contribuir com mais uma mostra em nosso Estado”, disse Majella.

A 8ª Mostra de Cinema e Direitos Humanos na América do Sul é uma realização da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, em parceria com o Ministério de Cultura. A Mostra tem produção da Universidade Federal Fluminense e conta com o apoio da Petobras e do BNDES.

Com exibições em todas as capitais brasileiras, a Mostra visa utilizar a linguagem cinematográfica para estabelecer um diálogo direto com a população. Uma das diretrizes da mostra é a acessibilidade. Por isso, todos os filmes são exibidos com Closed Caption, legendas que permitem o acesso de pessoas com deficiência auditiva à programação. São também promovidas sessões com audiodescrição, para acesso de pessoas com deficiência visual.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Policiamento Comunitário em Alagoas




(*) Geraldo de Majella
 
Alagoas, nas últimas duas décadas, tem vivenciado um estágio de insegurança crescente, acrescido de aumento vertiginoso da criminalidade, em que as taxas de homicídios saltaram para níveis insuportáveis. Em 1998, Alagoas ocupava a 11ª colocação entre as unidades da federação com uma taxa de homicídio de 21,8.

A taxa de 66,8 de homicídios em 2010 empurrou Alagoas para o 1º lugar no ranking da violência homicida nacional, como demonstra o Mapa da Violência de 2013.  

Maceió, em uma década, alcançou taxas de homicídios monumentais. Em 2000 a taxa de homicídio era de 45,1, o que a levou para o 8º lugar no pódio. Dez anos depois há um deslocamento em linha reta para o 1º lugar do ranking da violência homicida, com taxa de 109,9, para cada 100 mil habitantes.

Esses números indicam um sério problema para os governantes de Alagoas, Maceió e demais municípios. Reputo como o mais importante problema. Os diagnósticos do problema em geral são feitos na pressa e no calor das disputas eleitorais ou em meio a grande comoção popular. Nesse caso, quando a vitima é da classe média e branca.

O Mapa da Violência de 2013 traz várias capitais que praticamente triplicaram suas taxas entre os anos 2000 e 2010, como Belém, Fortaleza, Maceió e São Luís, enquanto outras mais que duplicam seus índices: João Pessoa, Salvador, Curitiba e Florianópolis. A exceção de duas das capitais, Curitiba e Florianópolis, as demais estão localizadas nas regiões Norte e Nordeste.  

Os estudos indicam a ausência de políticas de segurança pública, a perda do controle do território, a corrupção policial e o tráfico de drogas como fatores preponderantes e estimuladores da violência. Além, claro, do desmanche das políticas públicas nas áreas sociais.

Diante de tanta negligência nas áreas sociais, nos municípios, inclusive na capital, é creditada à Polícia Militar a responsabilidade por articular as políticas de segurança pública.

A Defesa Social ao “receber” o problema: combater o exponencial crescimento da violência e da criminalidade, só lhe resta a alternativa de colocar tropas nas ruas, solicitar a ampliação de presídios, mais e potentes armamentos, o modelo tradicional desde sempre.

Mas qual a expertise da segurança pública para indicar a resolução de conflitos da magnitude da criminalidade em Maceió? Estamos diante de uma epidemia que ainda não foi diagnosticada com precisão. E para tal é necessário massa cinzenta em quantidade, além de habilidade para organizar e motivar agentes públicos de todas as áreas. Isso não é discurso.

A apropriação de conhecimentos práticos e teóricos é um dos caminhos para a superação da insegurança e também para combater a violência. O contrário é não se importar ou fazer de conta de que se tem nos estudos científicos instrumentais eficazes para se romper com o círculo de violência em Maceió e em Alagoas. 

Toda a tradição da Polícia é repressiva, por ser militarizada. Mesmo a tantos anos de distância da ditadura militar, a PM ainda mantém como base o velho jargão ideológico de que para se combater o crime é necessário a utilização da força.

É imperioso se fazer segurança pública com tropas nas ruas e, cada vez mais, armadas ostensivamente, como inibidor da criminalidade e da violência homicida. Essa é a ideia-chave que tem norteado as polícias.

O discurso corrente dos governos de inspiração de esquerda, direita e centro, quando tratam da modernização da segurança pública, no Brasil e nos estados em particular, limita-se à aquisição de novos carros, motocicletas, armas mais modernas e equipamentos tecnológicos de controle e construção de presídios.

Os vultosos investimentos não reduziram os índices de violência e as crises que espocam por todas as partes. Se essas experiências não deram certo ao longo de muitos anos, insistir nesse modelo é contrariar a inteligência, porque assim se fecham em torno do corporativismo e daí em diante tudo se volta para a sobrevivência interna; enquanto isso a sociedade vê-se atingida frontalmente pelo exponencial crescimento da violência e da criminalidade, ficando totalmente desprotegida.

A implantação do Policiamento Comunitário no conjunto Carminha, no bairro do Benedito Bentes, em Maceió, é uma experiência exitosa. Os resultados são evidentes, pois ocorreu o que a tradição da Polícia Militar não consegue assimilar: tão significativa prática de policiamento.

O policial bem-formado se relaciona em pé de igualdade com o cidadão que vive na exclusão social e econômica, aterrorizado, de um lado, pelo traficante, e do outro, pelo policial corrupto e violento. A “lei da sobrevivência” – mais forte que qualquer estatuto legal − indica o caminho da “aliança” com a marginalidade, quando não a incorporação de fato às quadrilhas. Os relatos nas periferias das cidades vão nessa direção.

 

(*) Historiador

 

 

 

 

 

 

 

 

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Josias Marques


 


 
(*) Geraldo de Majella

 

Josias de Souza Marques (1921-1987), meu pai, foi o primeiro humanista que conheci. Levou uma vida dedicada ao trabalho como proprietário de uma pequena farmácia, atendendo a população da cidade onde nascera, Anadia (AL).

O trabalho inerente aos profissionais da saúde, os médicas(os), enfermeiras(os), durante décadas foi realizado por ele, numa época em que não havia médico residindo na cidade e esporadicamente aparecia um médico, em geral no período eleitoral.

Os partos, as vacinas, as pequenas suturas, os cuidados básicos eram feitos em sua Farmácia Socorro. Trabalhou dedicadamente, durante quase quarenta anos, sem nunca ter tirado férias. 

Aquele homem gordo, calmo, sereno e com uma cabeleira cheia, preta, bem-humorado, era um sábio interiorano. Tolerante com quem divergia das suas opiniões. Uma das melhores qualidades.

Transmitiu-me, sem o tom professoral, e sem nenhuma arrogância, ensinamentos de vida com os quais me guiei.

Hoje estaria completando 92 anos. Morreu quando tinha apenas 66 anos, no dia 5 de maio de 1987.

 

(*) Historiador  

 

Incluir Direitos Humanos na Agenda Política


 
 
 
(*) Geraldo de Majella

 

O Brasil foi o primeiro país do Cone Sul a fazer a transição da ditadura militar (1964-1985) para a democracia. O regime militar resistiu, criou as condições ideais para realizar o que ficou consignado como a transição lenta, segura e gradual. Em 1979, o general João Figueiredo, o último ditador, enviou ao Congresso Nacional o projeto de lei que concedia a anistia para os presos e perseguidos políticos, entre eles os exilados e banidos.

Em vinte e um anos de ditadura, entidades da sociedade civil e personalidades do mundo cultural, jurídico, religioso e político denunciaram nacional e internacionalmente inúmeras violações dos direitos humanos, como a tortura, prisões, assassinatos e o desaparecimento de patriotas.

A luta em defesa dos direitos humanos, para muitos no Brasil, passou a simbolizar em primeiro plano as campanhas pelas liberdades, contra a censura, em favor do direito a manifestação e organização de partidos políticos, direitos suprimidos pelo regime militar.

Ao ser concluído o processo de transição, a democracia foi referendada através de eleições livres e da Assembleia Nacional Constituinte, que deu origem à nova ordem constitucional. O desmanche do arcabouço jurídico institucional não aconteceu de maneira automática. As resistências surgiram em todas as áreas do Estado brasileiro. E os setores mais comprometidos com a luta antiditatorial de um modo geral se bastaram com a defesa dos direitos humanos, quando o violador era o Estado ditatorial brasileiro.  

 A sociedade civil demorou a compreender que no momento pós-ditadura, a luta em defesa dos direitos humanos deveria ser ampla e focada nos setores mais vulneráveis. As bandeiras propostas inicialmente pelos partidos de esquerda foram se esvaindo com o lento cessar dos ecos ditatoriais.

O Estado brasileiro mantém-se como um violador contumaz dos direitos humanos, agora – desde 1988 − regido por uma nova ordem constitucional, mas com vícios antigos e com um aparelho de segurança ainda sob forte inspiração do período ditatorial, traduzido no militarismo adquirido no pós-64.     

As políticas públicas implantadas pelo Estado brasileiro têm os seus principais adversários nos remanescentes do período ditatorial: corporações militares, parlamentares direitistas, conservadores identificados com grupos de extermínios, setores da mídia, áreas do Poder Judiciário, entre outros.

O desafio posto é a transformação das políticas de promoção, proteção e defesa dos direitos humanos em bases centrais da política de Estado. Assim como o combate a inflação se transformou numa quase obsessão nacional e que, ao fim e a cabo, vem logrando êxito independentemente do partido político que esteja governando.

A afirmação dos direitos humanos não pode ser uma palavra de ordem, e muito menos um recurso de marketing utilizado pelos governantes em efemérides ou em solenidades realizadas em salões palacianos. A afirmação dos direitos humanos se dará na construção de ambientes do Estado brasileiro, nos três poderes. Quando se tratar da execução das políticas públicas, os três níveis do Executivo (União, Estados e Municípios) devem atuar em sintonia, no financiamento das políticas, na execução, na avaliação, no controle e na prestação de contas.

A integração das políticas públicas modificará, no médio e no longo prazo, a concepção do agente público, resultando na inevitável transformação da relação entre governos e sociedade. A implantação de políticas afirmativas de direitos humanos é o caminho mais curto para a superação da barbárie.            

 

Historiador, Superintendente de Políticas de Promoção da Cidadania e dos Direitos Humanos da SEMCDH.

 

 

 

 

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Caderno da Militância


A Editora da Universidade Federal de Alagoas [UFAL] tem alguns poucos exemplares à venda.

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Edufal - Editora da Universidade Federal de Alagoas

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CEP: 57072-970

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domingo, 24 de novembro de 2013

O Cartão Postal do Stuckert


 
 

 
 
(*) Geraldo de Majella

 

            Após servir a sobremesa do jantar, a minha companheira Vânia Assumpção, colocou sobre a mesa cinco álbuns de fotografias, coloridas e preto-e-branco, de sua coleção.

Olhei com a curiosidade dos que procuram descobrir preciosidades. Vejo-me, muitas vezes, como se fosse um garimpeiro à procura de esmeraldas, ouro ou pedras preciosas de valor. Os historiadores, em grande medida, são seres com essas características.

            Não demorou muito, abri um dos álbuns e me deparei com duas joias raras: cartões fotográficos de Roberto Stuckert.

Fiz uma inevitável pergunta:

− Vânia, onde você comprou?

− Não comprei, ganhei de presente.

E me explicou, detalhadamente, que havia recebido de Dona Alma, uma imigrante octogenária russa. Dona Alma havia chegado a São Paulo após a revolução socialista de 1917. Em 1984, Vânia alugou um dos quartos de sua casa, onde viveria por um ano enquanto fazia um curso de especialização em paisagismo.

Quando estava retornando a Maceió recebeu como presente os dois Stuckert. Passamos um tempo falando sobre fotografia e sobre o Stuckert e outros importantes fotógrafos alagoanos ou que por aqui estiveram.

Num gesto de desprendimento, recebo das mãos de Vânia os dois cartões. A partir de agora vão para a minha coleção, e como não sou fominha, vou disponibilizá-los através da internet, pelo Blog do Majella, Jornal da Besta Fubana e pela minha página no Facebook.

Mas, afinal, quem é o fotógrafo R. Stuckert, que assina os cartões fotográficos ou postais?

Os Stuckert são originários da Suíça, tendo chegado ao Brasil pelo porto de Cabedelo, em João Pessoa (PB), em 1900. O patriarca da família, Eduard Francis Rudolf Deglon Stuckert, um homem de múltiplos ofícios profissionais, era fotógrafo, desenhista, escultor e intérprete em oito línguas estrangeiras.

A viagem entre o continente europeu e o Brasil durou quase um mês. Eduard Stuckert foi o responsável pela elaboração das cartas náuticas. Em João Pessoa, fixa residência e começa a trabalhar como fotógrafo, em companhia dos filhos Manfred, Gilberto e Eduardo Roberto. Criou o Foto Íris, que posteriormente mudou de nome e passou denominar-se Foto Stuckert, na rua Duque de Caxias. Entre 1900 e 1930 realizou um importante registro fotográfico da cidade, e em 1942, no Rio de Janeiro, expôs a sua coleção de desenhos de bico de pena e nanquim no Museu de Belas-Artes.

O filho caçula, Eduardo Roberto, na década de 1950 deixa João Pessoa e ao passar por Maceió (AL), emprega-se no jornal Gazeta de Alagoas e se torna o precursor do fotojornalismo. É dessa época a coleção de cartões fotográficos ou postais impressos e distribuídos nacionalmente.

Ao deixar Maceió, dirige-e à então Capital federal, Rio de Janeiro, e passa a trabalhar no jornal O Globo. Em 1957, durante o governo Juscelino Kubitschek, é destacado pela direção do jornal para fazer uma longa reportagem da construção de Brasília.

Eduardo trabalhou durante um ano fotografando a construção da nova capital do país e registrando o cotidiano da construção e dos trabalhadores. Quando é chamado de volta ao Rio de Janeiro, deixa o filho Roberto Stuckert a documentar a construção de Brasília.

Roberto depois se tornou conhecido também como fotógrafo, recebendo o apelido de Stukão. É a terceira geração da família a fotografar profissionalmente. Ao filho não restou outra alternativa a não ser permanecer em Brasília, onde criou raízes.            

Poucos meses antes de Brasília ser inaugurada, Eduardo Roberto retorna com toda a família para o Planalto Central, onde fixa residência. Na década de 1970, com os filhos Roberto, Rodolfo, Eduardo e Rosiane, funda a Stuckert Press, empresa de fotojornalismo.

Roberto Stuckert foi o fotógrafo oficial da Presidência da República no governo do general Figueiredo, trabalhou para jornais e revistas e realizou a cobertura de três copas do mundo.

A quarta geração da família Stuckert é representada por Ricardo Stuckert, brasiliense, fotógrafo desde os 19 anos de idade. Iniciou-se no jornalismo no jornal O Globo, passou pelas redações das revistas “Caras”, “Veja” e “IstoÉ”. Trabalhou na campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva e, durante os dois mandatos do presidente Lula, foi o fotógrafo oficial da presidência da República.

A família Stuckert continua em destaque no prestigioso trabalho de fotografar a presidência da República. Agora, quem está nessa função é Roberto Stuckert Filho, fotógrafo da presidenta Dilma Rousseff.    

 
(*) Historiador

 

 

sábado, 23 de novembro de 2013

 
 
 
 
 
 

A disputa política permite toda sorte de retórica. Populistas, insensíveis, reacionários, porra-loucas, o vocabulário é abrangente, da linguagem culta à chula.
Em todos esses anos acompanhando e participando de polêmicas, jamais vi definição mais sintética e arrasadora do que a do jurista Celso Antônio Bandeira de Mello sobre Joaquim Barbosa: “É uma pessoa má”.
Não se trata se julgamento moral ou político. Tem a ver com distúrbios psicológicos que acometem algumas pessoas, matando qualquer sentimento de compaixão ou humanidade ou de identificação com o próximo. É o estado de espírito que mais aproxima o homem dos animais.
O julgamento da bondade ou maldade não se dá no campo ideológico. Celso Antônio Bandeira de Mello é uma pessoa generosa, assim como Cláudio Lembo, cada qual com sua linha de pensamento. Conheci radicais de lado a lado que, no plano pessoal, são pessoas extremamente doces. Roberto Campos era um doce de pessoa, assim como Celso Furtado.
A maldade também não é característica moral. O advogado Saulo Ramos, o homem que me processou enquanto Ministro de Sarney, que conseguiu meu pescoço na Folha em 1987, que participou das maiores estripulias que já testemunhei de um advogado, nos anos 70 bancou o financiamento habitacional de um juiz cassado pelos militares. E fez aprovar uma lei equiparando direitos de filhos adotados com biológicos, em homenagem ao seu filho.
A maldade é um aleijão tão virulento, que existe pudor em expô-la às claras. Muitas vezes pessoas são levadas a atos de maldade, mas tratam de esconde-los atrás de subterfúgios variados, com o mesmo pudor que acomete o pai de família que sai à caça depois do expediente; ou os que buscam prazeres proibidos.
Joaquim Barbosa é um caso de maldade explícita. Longe de mim me aventurar a ensaios psicológicos sobre o que leva uma pessoa a esse estado de absoluta falta de compaixão. Mas a natureza da sua maldade é a mesma do agente penitenciário que se compraz em torturar prisioneiros; ou dos militares que participavam de sessões de tortura -- para me limitar aos operadores do poder de Estado. Apenas as circunstâncias diferem.
A natureza o dotou de uma garra e inteligência privilegiadas. Por mérito próprio, teve acesso ao que de mais elevado o pensamento jurídico internacional produziu, a ciência das leis, da cidadania, da consagração dos direitos.
Nada foi capaz de civilizar a brutalidade abrigada em seu peito, o prazer sádico de infligir o dano a terceiros, o sadismo de deixar incompleta uma ordem de prisão para saborear as consequências dos seus erros sobre um prisioneiro correndo risco de morte.
Involuntariamente, Genoíno deu a derradeira contribuição aos hábitos políticos nacionais: revelou, em toda sua extensão, a face tenebrosa da maldade.
Espera-se que nenhum político seja louco a ponto de abrir espaço para este senhor.
 

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Elza, parabéns.









Elza Rocha de Miranda, cabeleireira, alagoana, viúva do advogado, jornalista e dirigente comunista Jayme Amorim de Miranda, desparecido político em 1975, na cidade do Rio de Janeiro, onde foi sequestrado e assassinado.

Elza e Jayme constituíram uma família com quatros filhos: Olga Tatiana, Yuri Patrice, Jayme e André Miranda.

Esta mulher é uma entre tantas mulheres brasileiras, mãe, trabalhadora, que atravessou a dureza e as incertezas de ser obrigada a viver na clandestinidade, criar uma família em completa adversidade material, emocional e política.

Elza, desde fevereiro de 1975, luta para saber o paradeiro do seu companheiro e pais dos seus filhos.

Desejo a você Elza Rocha de Miranda saúde e paz e muitos mais anos de vida.
Feliz aniversário,parabéns. 

 

 

 
 
 
 

Comissão Estadual da Verdade Jayme Miranda


 
Fernando Costa e o padre Manoel Henrique
 
(*) Geraldo de Majella

 

A Comissão Estadual da Verdade Jayme Miranda, coordenada pelo Padre Manoel Henrique Santana, realizou a primeira sessão de depoimentos de vítimas e familiares da ditadura militar brasileira. Aconteceu no auditório do Museu da Imagem e do Som (MISA), no bairro de Jaraguá. Dois depoentes convidados compareceram: a advogada Ezir Colaço, irmã do ex-preso político e dirigente do antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB), Rubens Colaço Rodrigues, e o funcionário público e advogado Fernando José Barros Costa, ex-preso político e militante do Partido Comunista Revolucionário (PCR).

O padre Manoel Henrique Santana, coordenador-geral da Comissão Estadual da Verdade (CEV), dirigiu os trabalhos. Estiveram presentes e contribuíram com perguntas os seguintes membros da CEV: a professora Alba Correia, a economista Marivone Loureiro e os advogados Everaldo Patriota e Delson Lyra.

 Fernando Costa foi preso em 1973 na praça da Faculdade de Medicina em Maceió. Era, à época, estudante de medicina da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), e sofreu tortura por dias seguidos. Foram-lhe aplicados choques elétricos, espancamentos, sendo por diversas vezes colocado no pau de arara.

 A prisão foi realizada por uma guarnição do 20º Batalhão de Caçadores (20-BC), comandada pelo sargento e torturador Canaã.  Inicialmente foram presos Fernando e seu irmão Jeferson Costa. Em seguida, os militares do 20º BC estiveram na sua residência, no bairro do Prado em Maceió, e prenderam o pai, a mãe, um outro irmão e um primo.

Os estudantes Fernando e Jeferson Costa foram torturados, segundo afirmou Fernando Costa, nos antigos galpões da Petrobras, localizados no Tabuleiro do Martins. Nesse ano (1973), ocorreram outras prisões: os irmãos Breno e Denis Agra, Norton Sarmento, Paulo Newton de Azevedo, Miriam Soares Ferro, Vera Costa, Denisson Menezes, os médicos Luiz Nogueira Barros e Hélia Mendes, entre outros.

Estiveram presos na carceragem da Polícia Federal, Dops e no Quartel do 20º BC. Foram condenados à pena de seis meses de prisão, cumprindo-a no antigo presídio São Leonardo, em Maceió.

 

(*) Historiador

 

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

O Jardim Selvagem



(*) Luiz Carlos Figueiredo

Os novos poemas de Marcos de Farias Costa, em “O Jardim Selvagem”, vejam bem, leitores, nasceram em velhos tempos, nos momentos de etílica vigília, durante quarenta anos molhados em cachaça. Nada de falação boêmia. Entre um gole e outro, o silêncio, a conversa interior, viagem interna do eu-poético na maçaranduba do tempo. Daí resultaram os quase quatro elementos fundamentais do nosso cosmos: a água, a terra, o fogo e o éden (céu? ar?). Mas o que impressiona é esse Marcos Farias Costa, gigante do eterno inconformismo contra as injustiças, a hipocrisia, a gatunagem, os preconceitos, toda essa miséria humana – do aqui e do agora, do passado e do lá fora –, mostrar descara-damente, apesar dos aparentes escudos, a sua fraqueza. Não nos calcanhares ou no cotovelo, mas no coração, nos sen-timentos românticos e nobres, principalmente ao fazer rasgada e doce declaração de amor a Maceió: Pertenço a Maceió, sou o seu marido, somente nesta terra encontro abrigo... Em vez de caçador, serei a caça da cidade que fisgou meu coração. Que belo! Invejosamente, repito a mesma coisa. E tem mais: As ruas de Maceió agitam-se dentro de mim, com um barulho maior que a popu-lação de Pequim. Não desespera-damente, mas conscientemente, Marcos de Farias Costa desata-se em paixão pela água – vida – gentil que se bebe... Tudo enfim é água, e sem água tudo é fim, porém nas águas de mim, toda água é feliz.

Nem sempre Marcos de Farias é sincero, ou se comporta exageradamente irônico. Ele adora livros, vive entre livros, certamente deve acariciá-los, beijá-los ou lambê-los, quando ninguém, nem mesmo a Soninha, estiver por perto. Vejam, leitores, se tem cabimento o Marcos cantar: Seja o Bluteau ou o Moraes, dos livros já me escafedo, e falo, morrendo de medo: quem morou não mora mais! No fim, ele acaba confessando, já sincero, por que foge dos livros, glossários ou dicionários: Desculpe a sinceridade, mas é que o meu salário, de tão chinfrim, na verdade, nem dá pra comprar dicionário. Este aí, que está dentro deste livro, é um pedaço falante do interior do Marcos de Farias Costa, ora esperneando quase contra tudo, ora abrindo uma porta generosa, boa, romântica, numa voz que me lembra o tão querido e vibrante Orlando Silva.
(*) jornalista e escritor.
 

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Queremos médicos, queremos saúde pública





(*) Geraldo de Majella

         A discussão a respeito da saúde pública no Brasil é um assunto importante, e talvez por envolver diretamente a vida, o bem maior de que se dispõe, aumentou e muito a temperatura do debate. O que antes se via ou era possível o cidadão comum perceber/deduzir eram tão somente temas tangenciados, mesclados com interesses sindicais e coorporativos.

Mas a crise aumentou, e nos últimos meses a discussão entre governo federal e entidades representativas dos médicos alcançou um ponto inimaginável: o impasse e a deflagração de “guerra” travestidos em boicotes e ameaças. O resultado foi uma perda para todos: os governos [nos três níveis], os médicos e a população. A guerra em que todos perdem é um haraquiri coletivo.

Para a população pobre e a de classe média baixa que necessita dos serviços médicos a “guerra” não se constitui em novidade. Estão perdendo faz tempo. Inclusive tem havido inúmeras perdas de vidas humanas, por falta de atendimento, negligência, dolo, incúria.

As alternativas para a superação da crise a partir dos médicos é pouco provável no momento. Há uma aposta pública no caos, e todas as tentativas de superar dificuldades para se oferecer serviços médicos elementares estão sendo torpedeadas pelas entidades médicas. O clima é de conflagração. O cabo de guerra foi esticado.

O “bode” que foi colocado na sala são os médicos cubanos. Os argumentos são irascíveis e de cunho ideológico, tendo sido ressuscitado um anticomunismo primitivo, remanescente do tempo da Guerra Fria, associado ao racismo latente na sociedade branca brasileira. O branco não é figurativo, neste caso. É afirmativo, pois foram os médicos que o expressaram a plenos pulmões nos aeroportos, nas redes sociais e através da mídia em geral.

Mas diante da explosão colérica das entidades médicas brasileira, o que dizer do respeitável New England Journal of Medicine, quando afirma categoricamente que “O sistema de saúde cubano parece irreal. Há muitos médicos. Todo mundo tem um médico de família. Tudo é gratuito, totalmente gratuito. Apesar do fato de que Cuba dispõe de recursos limitados, seu sistema de saúde resolveu problemas que o nosso (dos EUA) não conseguiu resolver ainda. Cuba dispõe agora do dobro de médicos por habitante do que os EUA”.

Os dados são irrefutáveis: em 2012, Cuba,  em suas 25 faculdades públicas de medicina formaram-se 5.315 médicos cubanos e mais 5.694 estrangeiros; todos estudaram de graça na Escola Latino-americana de Medicina (Elam). A Elam recebe estudantes de 116 países, inclusive dos Estados Unidos, e já formou 24 mil estrangeiros.

Mas o que está por trás de tudo isso é o modelo capitalista de medicina implantado no Brasil. Desde que o Sistema Único de Saúde [SUS] foi implantado vem sofrendo todo tipo de boicote e bombardeio das corporações médicas e da medicina de grupo.

As entidades médicas não representam os profissionais no sentido da reivindicação e até mesmo na construção de críticas ao SUS com o objetivo de corrigir rumos e melhorar a gestão. A guerra declarada ao governo tem o objetivo central de destruir o SUS e em seu lugar apresentam a privatizar da medicina como alternativa aos serviços públicos.

 O resultado desse enfrentamento deixa um saldo positivo. Primeiro: a população compreendeu e tem ficado do lado dos governos; segundo: a população, através das redes sociais, está atenta às movimentações da corporação médica; terceiro: é necessário e urgente o controle social da atividade dos médicos, tanto no serviço público quanto no privado; quarto: é fundamental, baixada a poeira, que o governo federal, os estaduais e os municipais sentem à mesa com a representação sindical e corporativa dos médicos para discutirem a modernização da gestão do SUS em todas as suas vertentes, da porta de entrada à porta de saída do sistema.

Ao se tornar pública e com um caráter ideológico, a batalha por mais médicos deve, serenados os ânimos, recobrar a razão, e a discussão central deverá se voltar para o atendimento básico de saúde da população. É importante observarmos o cenário alagoano. A estimativa é que existam em Alagoas cerca de 150 mil usuários de planos de saúde para uma população estimada pelo IBGE em 2013 de 3.300.938 habitantes. É uma conta simples de ser feita, pois exatos 3.150.000 habitantes dependem exclusivamente dos serviços públicos de saúde. 

É razoável retomar a discussão em patamares civilizados, onde a responsabilidade das partes seja assumida, para serem cobradas por todos nós, usuários e cidadãos brasileiros. Não se trata, afinal, de importar médicos cubanos ou não. A população necessita de cuidados médicos, a começar pelo atendimento básico. Queremos mais médicos e mais saúde pública de qualidade.

 

(*) Historiador.  

 

 

domingo, 25 de agosto de 2013

Você atrai doidos


(*) Geraldo de Majella

 

         Andar com doidos, ando desde muito cedo, quando ainda era criança. Minha mãe me acusava de atrair doidos.

− Você só procura doidos. Deixe de andar com essas companhias, menino!

Reporto-me à a pré-adolescência, fase da vida em que não existe censura prévia, nem, de modo algum, andar, brincar e conversar com doidos é normal. Pelo menos para mim era perfeitamente normal.

         As ordens, determinações de testa franzida e tom grave de minha mãe, confesso, me intimidavam, mas não me afastavam dos doidos. O diferente me atrai, ainda hoje. Transporta-me para um outro mundo, não o deles, certamente, mas também não era o de minha mãe. Aparentemente lúcido e racional.

“Casa de ferreiro, espeto de pau”, diz o adágio popular. Nascido numa casa de classe média baixa do interior de Alagoas, num tempo em que a mão de obra era farta, não tive babá.

As funções de babá foram exercidas pelo meu tio Jonas. O tio querido me ninava e me fazia dormir, nos embalos de rede, todas as noites. Jonas era doido, diagnosticado. Ou como se define hoje: pessoa com deficiência mental.

A vida me conduz, me aproxima dos doidos, conhecidos, amigos ou desconhecidos. Isabela, minha filha, assim como minha mãe, também diz que atraio doidos. E que só tenho amigos doidos.

Sento-me num banco na orla de Maceió e escuto um inusitado diálogo de um homem consigo mesmo. Perguntas, respostas, diálogos entrecortados e resmungos. Olhei normalmente, permaneci discreto para não causar estranheza ou mesmo chamar a atenção do falante.

Mas não demorou, fui chamado para a inusitada conversa.

− O moço mora em Maceió? – fez-me a pergunta educada e serenamente.

− Sim, moro na vizinhança − respondi lacônico.

− Veja só como são as coisas. Minha esposa não me deixa andar pela cidade.

− Ah, é? E você lhe obedece? – perguntei, dando início ao diálogo.

− Que nada. Ando a cidade inteira. Tenho posses e não ligo pra nada, quero caminhar anotando tudo que vejo pela frente.

− Certo.

Entrei na dele e já me tornei amigo de infância. Em tom mais baixo e como se segredasse algo, lhe disse:

− Amigo, dinheiro foi feito para se gastar. Não dê atenção para o que a sua mulher fala, não. Continue andando e gastando. Quando a gente morre não leva nada.

− É o que faço. Você pensa que eu ligo? Ela fala e eu ando, nem escuto. Sou assim desde criança.

Sem perder o embalo do papo, reforcei os seus argumentos:

− Faça o que achar certo. Mas tenha cuidado ao andar em ruas escuras, você com dinheiro no bolso pode ser assaltado.

− Não tenho medo de nada, enfrento qualquer parada − falou em voz grave, destemido.

− Amigo, me desculpe, estou indo. Tenho um compromisso com a família. Mas quero, antes de me despedir, dizer que você esta certo. Até logo.

Despedi-me do novo amigo e saí intimamente às gargalhadas, lembrando da Nau [minha mãe] e da Isabela. Andei com o vento batendo em minhas costas, convicto de que atraio realmente doidos. São doidos de todos os tipos e jeitos, quadrantes e meridianos.

O significado de normalidade e anormalidade para mim é variável e depende do contexto histórico e das situações em que me encontro. O ato de sentar com um louco e dialogar é para mim natural.

 Pois, para quem trabalha e trata cotidianamente com pessoas de humor instável, não posso fazer alusão à loucura num sentido figurado.

Não são raros os dias da semana em que desejaria passar horas conversando e “viajando” com loucos propriamente ditos e diagnosticados. Isso me faria bem e equilibraria a minha saúde mental.

 

(*) Historiador