quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Construindo Caminhos


 
 
 


(*) Geraldo de Majella

 

            A percepção do Poder Público em Alagoas quando se trata de estruturação de políticas públicas ainda é de invisibilidade. O baixo comprometimento com o conjunto de causas relativas à população afro-brasileira em determinadas áreas do território alagoano é de completo abandono, e neste particular pode-se afirmar que este contingente, a maioria da população estadual, se encontra totalmente invisível para o Poder Público.

As comunidades quilombolas estão localizadas em 34 municípios; são 66 comunidades identificadas e 65 certificadas pela Fundação Cultural Palmares entre 2005 e 2010. Constata-se o movimento que o Poder Público estadual fez no sentido de lançar luz a essas comunidades, até então, a quase totalidade, sem ação organizada, mas com presença local e com baixa articulação política e social. 

A articulação institucional no âmbito estadual existiu com fluxos de ascensão e descenso. Em determinados períodos o Poder Público, em decorrência de pressões localizadas e esporádicas, esboçava alguma intenção no sentido de estruturar e coordenar políticas públicas interinstitucionais. Restou evidenciada a dispersão das poucas ações; a falta de sintonia ficava clara no deflagrar das crises, quando rapidamente eram chamados os dirigentes dos órgãos responsáveis para debelar as tensões.

Esse comportamento é uma reprodução do que ocorre em nível nacional. Ocorre que a pressão social realizada pelos movimentos sociais que defendem as causas da população negra nacional tem impulsionado o Estado brasileiro a disponibilizar políticas públicas com orçamento definido. 

As políticas públicas definidas pelo Governo Federal desde a administração do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um marco histórico, pouco foram efetivadas. As dificuldades aparecem em todas as frentes; um exemplo concreto é a questão fundiária, que vem sendo encaminhada de forma bastante lenta. Em Alagoas, apenas uma comunidade quilombola, a de Tabacaria, em Palmeira dos Índios, foi titulada.  

O olhar do Poder Público (nos três níveis) para os Povos e Comunidades Tradicionais − sejam quilombolas, comunidades tradicionais de matriz africana, sejam povos de cultura cigana − tem sido lançado na perspectiva de articulação de políticas públicas especificas. A falta de informações e estudos dificulta a execução das ações. 

Existem em diversos órgãos da administração estadual superintendências, departamentos e diretorias para tratar das questões quilombolas especificamente, mas as ações não ocorrem de forma articulada.

 

Mapeamento Étnico-cultural

 

O Instituto de Terras e Reforma Agrária de Alagoas (Iteral), através da Gerência Quilombola[1], entre 2008 e 2009 realizou o Mapeamento Étnico-Cultural em 66 comunidades de 25 municípios, o que equivale a 1/3 dos municípios do Estado de Alagoas. A população estimada das comunidades quilombolas gira em torno de 25 mil pessoas.

O mapeamento contribuiu para o processo de certificação das comunidades quilombolas e serviu como base legal para desencadear a luta pela propriedade sobre a terra e de políticas públicas específicas, bem como para fortalecer a organização das comunidades como sujeito político nesse processo de conquista de direitos.

Com base no mapeamento realizado pelo Iteral foi feito um diagnóstico e apontadas as necessidades reais das comunidades. A partir dos dados gerados, montou-se um Grupo de Trabalho, coordenado pela Secretaria da Mulher e dos Direitos Humanos, composto por secretarias de Estado, órgãos da administração direta e órgãos do Governo Federal. Tem este grupo o objetivo de articular os diferentes programas em nível nacional executados em vários ministérios e autarquias federais, e os correspondentes nas secretarias estaduais.

 

O centenário do Quebra de Xangô

 

            O governador de Alagoas, Teotônio Vilela Filho, no dia 2 de fevereiro de 2012 fez publicar no Diário Oficial um pedido de perdão aos babalorixás e yalorixás e a todos os religiosos de matriz africana pela violência perpetrada por uma milícia armada denominada de Liga dos Republicanos Combatentes e pelos desdobramentos que vigoraram por décadas de flagrante preconceito e intolerância religiosa por parte dos agentes do Estado, notadamente a força pública.   

O ato oficial é fato histórico marcante, pois pela primeira vez um governante vem a público admitir e reconhecer a violência praticada no passado. É efetivamente a inauguração de uma nova relação do Estado com os religiosos de matriz africana em Alagoas.

A mensagem governamental foi além: “Ao pedir perdão não pedimos o esquecimento. Muito pelo contrário. Exibimos nossa dor e queremos expurgar nossa vergonha por aquele período tenebroso, convocando os alagoanos a se aprofundarem no estudo de nossa história. Estamos nos convidando a conhecermos a nós mesmos, entendermos nossas feridas, reconhecer nossos erros; compreender o passado, enfim. Não para carpirmos pecados, como se lágrimas e lamentos expiação fossem. Mas para que, conhecendo e reconhecendo ocorrências vergonhosas e terríveis como essa, possamos combater, com firmeza, toda e qualquer possibilidade de tragédias semelhantes.

“Queremos virar essa página da história nos comprometendo com uma nova etapa, com o projeto de uma nova Alagoas, onde todos e todas possam exercer livremente suas diferenças e, a partir delas, garantir um futuro digno para seus filhos.

“Para tanto, as religiões de matriz africana têm uma contribuição inestimável a dar nessa construção, pelo relevante papel educativo que desenvolvem junto a todas as camadas da sociedade alagoana, ensinando valores positivos, baseados no respeito ao próximo. Além disso, podemos dizer que cada Terreiro de Xangô de Alagoas tem enorme potencial no campo da formação profissional envolvendo jovens, podendo se transformar em importante espaço de capacitação de músicos, artesãos, educadores e outros profissionais, gerando renda e combatendo a pobreza em nosso Estado”.

 

Povos de Cultura Cigana

 

O trabalho desenvolvido com os povos de cultura cigana é, entre as comunidades tradicionais, o mais recente. Há, por parte da Secretaria de Estado da Saúde, ações mais efetivas. Na Secretaria de Estado da Mulher, da Cidadania e dos Direitos Humanos os contatos foram estabelecidos a partir do grupo trabalho intersecretarial de apoio ao Programa Brasil Quilombola.

Durante o trabalho de organização das conferências regionais foram estabelecidos os contatos com a comunidade cigana do município de Carneiro, no sertão alagoano. Em decorrência dos trabalhos preparatórios para as conferências regionais e para a estadual ocorreu um ganho significativo com a participação de uma representação do povo cigano no Conselho Estadual da Igualdade Racial. Esta participação será o primeiro passo no sentido da criação de um espaço de representação do Povo Cigano num órgão colegiado em Alagoas.
 

(*) Historiador.
 
Foto: Sandreana Melo

 

 

 

 



[1] O Instituto de Terras e Reforma Agrária de Alagoas (Iteral), a partir de 2008, passou a contar na sua estrutura organizacional com uma gerência quilombola.

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