terça-feira, 17 de setembro de 2013

Queremos médicos, queremos saúde pública





(*) Geraldo de Majella

         A discussão a respeito da saúde pública no Brasil é um assunto importante, e talvez por envolver diretamente a vida, o bem maior de que se dispõe, aumentou e muito a temperatura do debate. O que antes se via ou era possível o cidadão comum perceber/deduzir eram tão somente temas tangenciados, mesclados com interesses sindicais e coorporativos.

Mas a crise aumentou, e nos últimos meses a discussão entre governo federal e entidades representativas dos médicos alcançou um ponto inimaginável: o impasse e a deflagração de “guerra” travestidos em boicotes e ameaças. O resultado foi uma perda para todos: os governos [nos três níveis], os médicos e a população. A guerra em que todos perdem é um haraquiri coletivo.

Para a população pobre e a de classe média baixa que necessita dos serviços médicos a “guerra” não se constitui em novidade. Estão perdendo faz tempo. Inclusive tem havido inúmeras perdas de vidas humanas, por falta de atendimento, negligência, dolo, incúria.

As alternativas para a superação da crise a partir dos médicos é pouco provável no momento. Há uma aposta pública no caos, e todas as tentativas de superar dificuldades para se oferecer serviços médicos elementares estão sendo torpedeadas pelas entidades médicas. O clima é de conflagração. O cabo de guerra foi esticado.

O “bode” que foi colocado na sala são os médicos cubanos. Os argumentos são irascíveis e de cunho ideológico, tendo sido ressuscitado um anticomunismo primitivo, remanescente do tempo da Guerra Fria, associado ao racismo latente na sociedade branca brasileira. O branco não é figurativo, neste caso. É afirmativo, pois foram os médicos que o expressaram a plenos pulmões nos aeroportos, nas redes sociais e através da mídia em geral.

Mas diante da explosão colérica das entidades médicas brasileira, o que dizer do respeitável New England Journal of Medicine, quando afirma categoricamente que “O sistema de saúde cubano parece irreal. Há muitos médicos. Todo mundo tem um médico de família. Tudo é gratuito, totalmente gratuito. Apesar do fato de que Cuba dispõe de recursos limitados, seu sistema de saúde resolveu problemas que o nosso (dos EUA) não conseguiu resolver ainda. Cuba dispõe agora do dobro de médicos por habitante do que os EUA”.

Os dados são irrefutáveis: em 2012, Cuba,  em suas 25 faculdades públicas de medicina formaram-se 5.315 médicos cubanos e mais 5.694 estrangeiros; todos estudaram de graça na Escola Latino-americana de Medicina (Elam). A Elam recebe estudantes de 116 países, inclusive dos Estados Unidos, e já formou 24 mil estrangeiros.

Mas o que está por trás de tudo isso é o modelo capitalista de medicina implantado no Brasil. Desde que o Sistema Único de Saúde [SUS] foi implantado vem sofrendo todo tipo de boicote e bombardeio das corporações médicas e da medicina de grupo.

As entidades médicas não representam os profissionais no sentido da reivindicação e até mesmo na construção de críticas ao SUS com o objetivo de corrigir rumos e melhorar a gestão. A guerra declarada ao governo tem o objetivo central de destruir o SUS e em seu lugar apresentam a privatizar da medicina como alternativa aos serviços públicos.

 O resultado desse enfrentamento deixa um saldo positivo. Primeiro: a população compreendeu e tem ficado do lado dos governos; segundo: a população, através das redes sociais, está atenta às movimentações da corporação médica; terceiro: é necessário e urgente o controle social da atividade dos médicos, tanto no serviço público quanto no privado; quarto: é fundamental, baixada a poeira, que o governo federal, os estaduais e os municipais sentem à mesa com a representação sindical e corporativa dos médicos para discutirem a modernização da gestão do SUS em todas as suas vertentes, da porta de entrada à porta de saída do sistema.

Ao se tornar pública e com um caráter ideológico, a batalha por mais médicos deve, serenados os ânimos, recobrar a razão, e a discussão central deverá se voltar para o atendimento básico de saúde da população. É importante observarmos o cenário alagoano. A estimativa é que existam em Alagoas cerca de 150 mil usuários de planos de saúde para uma população estimada pelo IBGE em 2013 de 3.300.938 habitantes. É uma conta simples de ser feita, pois exatos 3.150.000 habitantes dependem exclusivamente dos serviços públicos de saúde. 

É razoável retomar a discussão em patamares civilizados, onde a responsabilidade das partes seja assumida, para serem cobradas por todos nós, usuários e cidadãos brasileiros. Não se trata, afinal, de importar médicos cubanos ou não. A população necessita de cuidados médicos, a começar pelo atendimento básico. Queremos mais médicos e mais saúde pública de qualidade.

 

(*) Historiador.  

 

 

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